Coordenadores do projeto VOICES (Value of Openness, Inclusion, Communication and Engagement for Science in a Post-Pandemic World) e do LABinCC (Laboratório de Inclusão na Comunicação e na Ciência) foram vozes importantes para a defesa da inclusão e da equidade em conferência comemorativa dos 25 anos do SciELO, realizada em São Paulo entre os dias 25 e 29 de setembro.
Pesquisadores ligados ao projeto defenderam que tais valores sejam concebidos também enquanto práticas, e não só como forma de legitimação de experiências acadêmicas. O SciELO (Scientific Electronic Library Online) é uma plataforma pioneira na disseminação do conhecimento científico aberto idealizada em 1997 no Brasil e lançada em 1998, mesmo ano de lançamento buscador Google.
Germana Barata, coordenadora do LABinCC, do VOICES Brasil e pesquisadora na Unicamp, levantou a importância da divulgação científica na ciência aberta, como uma prática que leva à inclusão e deve ser valorizada. Para fazer esse diálogo, a pesquisadora fez provocações sobre como a divulgação tem sido vista na academia após picos inventivos na pandemia.
“Será que a gente prendeu com a comunicação científica na pandemia?”, comenta Germana. “A gente experimentou, fez algumas coisas, mas temo que a gente tenha regredido em algumas práticas.”
Germana se refere a diálogos mais inclusivos, que leve a ciência para além dos muros das instituições de pesquisa, mas não só com o intuito de obter apoio social à ciência.
A pesquisadora sublinhou como a extensão é um tripé da universidade pública brasileira que, mesmo relegada em meio a tantas funções, há políticas que intentam fortalecê-la. Ela exemplifica que o Plano Nacional de Educação estipulou que 10% das atividades da graduação contemplem atividades de extensão.
Sabine Righetti, pesquisadora do Labjor, do VOICES e diretora da Agência Bori, também enfatizou em mesa final a importância de que o conhecimento científico chegue à sociedade. “Ciência aberta é aquela que é socialmente comunicada. A ciência não termina no artigo científico, que é uma comunicação feita para os pares. A gente precisa falar e precisa entender que a comunicação social da ciência é parte da ciência”, comentou.
Juan Pablo Alperín, professor da Simon Fraser University e coordenador do VOICES, apresentou resultados da coleta de discursos sobre ciência aberta feita no Brasil pelo LABinCC, bem como de pesquisas na Simon Fraser (Canadá) e da Universidade de Sheffield (Reino Unido) sobre políticas de ciência aberta e o papel dos pré-prints.
Alperín também mostrou dados, como os países que mais publicam em acesso aberto (Indonésia; e em segundo lugar, o Brasil), e fez provocações sobre a centralidade da equidade no movimento da ciência aberta, bem como de escolhas difíceis que talvez precisem ser feitas nesse campo.
“Chegamos ao acesso aberto, mas não ao verdadeiro objetivo, que era a descomercialização do conhecimento”, comentou Juan Pablo Alperín. “Temos que colocar a equidade e inclusão como objetivo, e não o da ciência aberta”, completa.
IDEIA (Impacto, Diversidade, Equidade, Inclusão e Acessibilidade)
Também na conferência foi selado o comprometimento da plataforma com os princípios IDEIA (Impacto, Diversidade, Equidade, Inclusão e Acessibilidade).
“O comprometimento do SciELO com os princípios IDEIA renova e amplia suas operações”, comenta Abel Packer, idealizador do SciELO. Abel Packer salienta que o SciELO é fruto do sistema de ciência nacional, bem como representa a consolidação de um valor e uma característica do conhecimento científico: sua construção coletiva.
Entre os palestrantes da conferência, foram discutidas questões como periódicos que abraçam o multilinguismo (e não só o idioma inglês), a questão de línguas índigenas e línguas oralizadas, bem como temas clássicos da inclusão na ciência, como a visibilidade de publicações e de cientistas de países periféricos, sem o mesmo financiamento dos chamados países do norte.
A conferência do SciELO também foi uma oportunidade para conhecer outras plataformas em outros lugares do mundo, como a Erudit, no Canadá; J-State, no Japão; e Operas (iniciativa da União Europeia).
Levantou-se, ainda, a necessidade de indicadores mais precisos para a inclusão, com coletas de dados e construções que ajudem a mensurar como práticas inclusivas estão sendo concretamente operacionalizadas pelas publicações científicas.
O problema da APC e a proposta do SciELo (CCP)
A APC (Article Processing Charge), taxa de publicação cobrada pelo periódico para que o artigo seja publicado em acesso aberto. continua um tema forte nos debates sobre ciência aberta. Na conferência, comentou-se como a APC é um paywall que passa do leitor para o autor, mudando o lado da cobrança e mantendo algumas desigualdades (entre pesquisadores e países).
Quanto a isso, foi feita uma crítica a baixa representatividade dos waivers (nome dado quando se isenta um determinado autor da taxa de publicação). O waiver não alcança nem 5% dos autores, disse uma das palestrantes, deixando países como Brasil e Argentina de fora da lista daqueles que qualificam para isenção da taxa.
Outro ponto criticado na conferência foi a de uma sugestão feita pelo plano de acesso aberto Plan S, da União Europeia, sobre uma possível divisão da cobrança de taxas em quatro faixas, a depender do país de origem do autor: os que pagam 100% do APC, ou 80%, ou 50%, ou 20%. O Brasil e a Argentina ficam entre aqueles países que pagam 80%, junto com países do leste europeu — que, embora tenham menos financiamento de ciência que a Alemanha, por exemplo, ainda são mais financiados que países da América Latina.
Na esteira dessa discussão, salientou-se também a alternativa do SciELO ao APC, o CCP (Contribuições Custeio de Publicação), uma forma de financiar periódicos de acesso aberto, que não tenham apoio e verba institucional. O CCP vem com uma proposta de cobrar valores menores ao ACP, sem o objetivo de lucro. A ideia pode ser lida e aprofundada aqui.
Compartilhamento de dados e desafios da ciência aberta
O compartilhamento de dados de pesquisa foi discutido em algumas mesas do evento como uma prática essencial de ciência aberta que deve atender ao princípio FAIR (Findability, Accessibility, Interoperability, and Reusability) — com alguns pesquisadores defendendo que os dados ocupem mais centralidade que a narrativa, e não ao contrário (com os dados comumente subsidiando o texto do artigo científico).
Sobre esse ponto, um contraponto foi feito em relação às ciências humanas e dados sensíveis, com entrevistas, feitas em condições de anonimato, por exemplo, que não poderiam ser compartilhadas a ponto de poderem ser identificadas. Sobre isso, uma sugestão é que o editor teria mais trabalho de filtrar os dados dessas entrevistas — o que abre, entretanto, outra questão sobre a quantidade de recursos humanos disponíveis para esse trabalho.
Apesar do clima otimista com a ciência aberta, alguns palestrantes lembraram que o movimento não é uma unanimidade: ainda há muita discussão e desconfiança entre os pesquisadores sobre o modelo — como o fato de que alguns pesquisadores relatarem receio de dados que deram muito trabalho para serem coletados serem usados por outros sem o devido crédito.
De todo o modo, houve avanços nos últimos anos 25 anos — e há os que esperam que a revolução do acesso ao conhecimento se aprofunde.
“Não queria ir embora sem dizer que o SciELO revolucionou o acesso ao conhecimento científico no mundo e espero uma outra revolução, que é a de levar o conhecimento a nossa sociedade”, disse participante da plateia.