A ‘estetização da inclusão’ e o retorno à luta política: reflexões de estágio de pesquisa

3 de março de 2024

Monique Oliveira

Em um estágio de pesquisa na London School of Economics financiado pela Fapesp no primeiro semestre de 2024, estou tendo a oportunidade de frequentar alguns workshops de pesquisa, muitos deles voltados para estudantes de pós-graduação da LSE.  Em um desses workshops, sobre revisão de literatura, a pergunta-problematizadora, disponível para iniciar uma conversa e engajamento foi:

“Vocês costumam pensar na diversidade de vozes e de bases de dados consultadas para deixar a pesquisa de vocês mais diversa”?

O silêncio no workshop foi geral. Para quebrar o gelo e dar algum retorno às palestrantes, falei que estou na LSE para um estágio de pesquisa, e que sou do Brasil, e disse essa ser uma questão constante para lidar com contextos diversos. E que também analiso as pesquisas que leio para saber em qual circunstância as ideias emergiram.

O pouco engajamento me surpreendeu, uma vez que estamos falando de algo que está em voga em congressos acadêmicos, mas até em missões de empresas: a sigla EDI (Equity, Diversity and Inclusion). 

Pode ser que seja o pragmatismo de estudantes de pós-graduação, mas me chama atenção o fato de que, por mais que falamos de inclusão, quando chegamos a aplicações práticas, pouca importância efetiva é dada a esse aspecto — até porque, em termos de capital acadêmico efetivo, o que temos de retorno para quem, de fato, está adotando práticas inclusivas e não somente usando o discurso de EDI para legitimidades, não raro, ocas?

Voltando ao workshop, as organizadoras das oficinas continuaram a aula e mencionaram a importância de usar filtros em bases de dados, como Scopus e Web of Science, seja por país, seja por idiomas. Também mencionaram a importância de bases como KCI Korea  e também lembrei do SciELO.

O próximo slide chegou com outras informações no workshop, sem mais considerações sobre o assunto. O pessoal participou mais e ficou mais animado com ferramentas e outras possibilidades que, penso eu, trariam retornos acadêmicos “concretos”.

O que novamente me chama a atenção é que, talvez não fosse mesmo o fórum, mas um debate superficial sobre inclusão, em que não fica claro que há diversidade de modos de se fazer ciência, de explicar o mundo, e um lugar específico de onde se fala.

E, ainda, que inclusão requer decisões difíceis e mudanças no modo de se fazer ciência e no desenho de pesquisa. Requer repensar temporalidades. Não é apenas um favor que se faz para os outros. Ou uma maneira de se legitimar.

Há algo sobre uma “estetização da inclusão” que pode esvaziar o fato de que se trata de uma luta eminentemente política; ou seja, requer redistribuição de recursos e de poder sobre decisões.

Torre de vidro da “King’s Library”, na British Library. Trata-se da coleção de livros raros do Rei George III. O design de vidro da torre é para deixar a coleção visível e acessível ao público e se encontra no centro da biblioteca. Foto: Monique Oliveira/Março 2024

Essa discussão também me lembrou um dia que fui trabalhar na British Library, e um funcionário comentou que antes, quando o prédio da biblioteca ainda estava associado ao British Museum, não era permitido ter acesso aos arquivos se você era um “cidadão comum”.

Era necessário estar afiliado a uma instituição de pesquisa, ter uma carta de recomendação e descrever detalhadamente o que seria feito. A política de acesso mudou nos anos 1980.  Eu, por exemplo, fiz um cartão para acessar arquivos na biblioteca com o meu passaporte do Brasil e um comprovante de endereço (brasileiro). Apenas isso. Na entrada da biblioteca, um cartaz estampa: “For everyone”.

A mudança na política de acesso é um motivo a se comemorar, mas também me lembrou o quanto uma mentalidade de que o conhecimento está resguardado a “iniciados” — como se tivesse que ser protegido de “ignorantes” que pudessem desviá-lo — foi a regra, e não a exceção, por séculos.

Olhando a seção de “treasures” da British Library, relíquias adquiridas pelo império britânico,  observei as várias tentativas de tradução da bíblia, o intenso esforço e a perseguição de quem se arriscava na empreitada.

E, por isso, quando esquecemos, a história está aí para lembrar. Inclusão é uma luta política, com decisões difíceis que requerem entender, renegociar e redistribuir poder. Filtros no Web of Science ou missões de intenção são apenas o começo, mesmo que muitos queiram que pare por aí.