Especialistas apontam para possibilidades de incorporar impacto social da ciência e Big Data nas análises sobre produção científica

4 de agosto de 2023

Mariana Hafiz e Germana Barata

Qual a utilidade de grandes volumes de dados sobre a produção científica para as políticas públicas e seu uso na sociedade? Essas foram questões tratadas durante o Simpósio Internacional do projeto InSysPo – Innovation Systems, Strategies and Policies, ocorrido na Unicamp no dia 18 de julho. Os especialistas convidados trataram sobre a relevância da Big Data (área do conhecimento científico que atua com milhões de dados) para favorecer a equidade das mulheres na ciência, compreensão de melhores maneiras de distribuir recursos para inovações científicas e a busca por indicadores de atenção social da ciência.

Ao longo do dia, os participantes assistiram a palestras apresentadas por acadêmicos de destaque internacional na área de cienciometria, incluindo Cassidy Sugimoto, professora da Georgia Tech (EUA), Vincent Larivière, da Universidade de Montréal (Canadá), e Rodrigo Costas, da Universidade de Leiden (Países Baixos). A cienciometria é uma área de pesquisa destinada a desenvolver métodos para medir e avaliar a qualidade do progresso científico. O evento incluiu sessões de debate com a pesquisadora Ana Maria Carneiro do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp, a professora da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp (FCA), Adriana Bin, e Sérgio Salles Filho, professor do Instituto de Geociências (IG), os dois últimos membros do InSysPo.

Pesquisadores do LABinCC presentes na Conferência Internacional do InSysPo. Da esquerda para a direita: Carlos Caetano (FACAMP), Mariana Hafiz (Unicamp), Germana Barata (Unicamp, coordenadora do LABinCC) e Ronaldo Araújo (UFAL e Universidade de Leiden).

 

  • Igualdade de gênero

Dando início às atividades, Sugimoto apresentou resultados de análises de artigos científicos demonstrando que mulheres cientistas, apesar de atuarem nas principais etapas de pesquisas, raramente figuram entre os autores principais. Segundo a cientista de informação, isso acontece porque as mulheres ocupam menos cargos de liderança na academia. O mesmo ocorre no impacto da ciência feita por elas, que recebem menos citações do que as pesquisas feitas por homens.

Outro exemplo sobre o uso de dados de produção científica para medir a importância da equidade na ciência é o fato de que a pouca presença de mulheres em estudos científicos pode prejudicar a população feminina. Dados apontam que elas têm 47% mais chances de morrer em um acidente de carro, pois os estudos realizados na realização dos automóveis, feitos principalmente com homens, tornam os carros mais seguros para eles.   

 

  • Recursos para pesquisa

Larivière, que se tornou representante da Unesco para assuntos sobre Ciência Aberta neste ano, trouxe resultados sobre a otimização de recursos para a pesquisa. Uma análise conduzida por ele a pedido da SSRCH (agência de fomento a pesquisa de ciências sociais do Canadá) comparou o número de artigos publicados por projetos em que 1) vários pesquisadores foram financiados, mas com verba menor para cada um e 2) menos cientistas receberam verbas mais altas cada.

“Social Science can do big science!” – Vincent Larivière

O estudo concluiu que a produção científica não aumentou proporcionalmente aos recursos. Outra análise comparando alunos de doutorado que recebem ou não financiamento indicou que os bolsistas publicam mais e tendem a vivenciar mais as colaborações com grupos de pesquisa. O pesquisador ressaltou que esses resultados ilustram a potência de estudos que combinam perguntas de ciências sociais com métodos da ciência dos dados, gerando dados úteis para formulação de políticas públicas adequadas.

 

  • Uso de bases alternativas

O evento também levantou a possibilidade de usar bases de dados alternativas para obter outros tipos de dados sobre produção científica. Rodrigo Costas apresentou análises com bancos de dados como o OpenAlex, Orcid, o SciELO, Menedeley e OpenAire, defendendo que estudos futuros levem em conta outros tipos de produções científicas além de artigos, como blogs, preprints, relatórios e políticas públicas. Essas publicações podem apontar questões inovadoras sobre produção e comunicação de ciência em diferentes regiões, idiomas e atores sociais. 

Outro ponto é que os dados dessas bases, apesar de estarem em acesso aberto, precisam garantir que os pesquisadores possam solicitar dados brutos para as instituições responsáveis sem burocracias. É o que acontece com o currículo Lattes, do CNPq: uma base riquíssima de currículos nacional de pesquisadores e estudantes, mas cujos dados abrangentes sobre produção científica brasileira não estão disponíveis de forma simples e aberta. 

Hoje em dia, boa parte de estudos de cienciometria são feitos com dados de bases como Scopus e o Web of Science, que excluem grande parte de publicações do Hemisfério Sul e da Ásia. Além disso, se baseiam em rastrear a atividade de artigos científicos: número de citação, qualidade da revista em que foi publicado, nacionalidade dos autores, entre outras. A ideia de Costas, no entanto, é que os estudos contemplem também o acesso à informação científica pela sociedade – o que não é feito por artigos científicos, dialogando com o conceito de ciência aberta, isto é, abertura de dados e publicações científicas para o público geral, fora da Academia. 

 

  • Olhar crítico para indicadores

De maneira geral, os debates giraram em torno da necessidade de aplicar métodos computacionais para responder a problemas das ciências sociais. Isso inclui conseguir compor e analisar bases de dados cada vez maiores para entender melhor algumas dinâmicas da produção científica. O olhar crítico sobre o uso de indicadores tradicionalmente usados na política científica levantou questionamentos como: a) o que chamamos de impacto pode ser traduzido em citações? b) estamos realmente avaliando a qualidade de publicações científicas ou os indicadores atuais apontam para dados sobre visibilidade acadêmica? d) Quais serão os novos indicadores de impacto científico, que levem em consideração os impactos da ciência na sociedade?

A cienciometria é uma das áreas com as quais o LABinCC (Laboratório de Inclusão na Comunicação e na Ciência) trabalha, especialmente quando se trata de novos indicadores de atenção social à ciência. O grupo de pesquisa ligado ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, aposta no potencial da divulgação da ciência para a sociedade como uma ferramenta importante de democratização e acesso ao conhecimento científico. A atenção da mídia a artigos científicos e preprints, de acesso aberto, são parte dos objetos de estudo atuais do Laboratório. 

Em meio ao mar de dados científicos disponíveis online, ficou claro, pelas discussões do evento do InSyPo, que será preciso investimentos em treinamento e infraestrutura para que o acesso à informação seja amigável para gerar novos conhecimentos para e pela sociedade.